Entramos no velho mundo por Lisboa, cidade menina, moça e mulher, cidade com vestígios de ocupação humana pelos neandertais extintos há cerca de 30.000 anos, foi visitada pelos fenícios em 1.200 a.C. e habitada pelos romanos, germanos e árabes, e somente em 1.147 o 1º rei de Portugal D. Afonso Henriques conquistou Lisboa expandindo-a para fora das muralhas.
Visitamos o Castelo de São Jorge construído para defender a cidade de invasões romanas, o Mosteiro dos Jeronimos de belíssima arquitetura e peças de museu valiosíssimas, o Arco da Rua Augusta construído para celebrar a reconstrução da cidade após o terremoto de 1.755 usando o ouro explorado no Brasil. No "Metro", como eles chamam o Metrô, fiquei espantado de comprarmos o bilhete na máquina eletrônica e para embarcarmos foi necessário encostar o bilhete num totem que faz a leitura e descer as escadas para embarcar sem passar em catraca nenhuma e sem fiscalização alguma, onde uma pessoa de má fé poderia viajar sem pagar nada, mas cultura é cultura!, e para não descermos em estação errada ficávamos atentos na "Próxima Paragem" como era anunciado no alto-falante do "Metro". Fomos nas tabernas ouvir o fado saboreando o delicioso bacalhau e tomando vinho; Lisboa é uma cidade encantadora, com sua arquitetura, suas ladeiras, suas tabernas, seus bondinhos, realmente é sensual e pode ser chamada de cidade menina, moça e mulher. É bom lembrar o último verso da música de Carlos do Carmo:
Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
Visitamos a Torre de Belém construída no estuário do Rio Tejo, para defender a entrada de invasores em Lisboa. Em Belém saboreamos o tradicional Pastel de Belém, criado neste local, mas em outras cidades é chamado de Pastel de Nata, se você pedir um Pastel de Belém em outra cidade eles te corrigem!
Alugamos um Suv da Fiat, 1.3, diesel, cambio mecânico e o retiramos no aeroporto, onde uma placa dizia: "Levantamento de Viaturas", e indo para o norte fomos em Estoril, com casas muito lindas e ricas e uma praia muito pobre em relação as brasileiras, mas sabemos que as praias boas de Portugal estão em Algarves, onde não fomos, e logo após fomos em Cascais, uma praia mais bonita porém as águas estavam geladas para nossos padrões, apesar de vermos muitas excursões de escola com crianças a partir de 3 anos, brincando e se divertindo na água.
Indo para Sintra, passamos pelo pedágio, mas como tinha instalado um sem parar no carro, sempre tinha de utilizar a passagem escrita "Reservada a Aderentes" e nas mudanças de estradas passávamos pelas "Rotundas" que no Brasil chamamos de rotatórias.
Como minha filha Adriana fez nosso roteiro de viagem e as reservas das casas e apartamentos, ficou a cargo da outra filha, a Mariana, ser minha co-pilota, usando o Waze e o Google Maps e me indicando as direções a seguir, e tenho que registrar que em nenhum momento nos perdemos.
Uma coisa muito comum em Portugal, são os varais de roupa do lado de fora das janelas dos apartamentos, então é comum vermos calcinhas expostas para quem passa na rua, mas não vemos fraldas secando, Portugal tem a quarta menor taxa de natalidade da Europa, portanto é raro vermos "bebés" como chamam os bebês lá.
Fomos visitar o Palácio Nacional da Pena, uma das principais expressões do romantismo arquitetônico do século XIX, e o Castelo dos Mouros construído nos séculos VIII e IX e me chamou a atenção a Porta da Traição, que é aquela passagem secreta que usavam para entrar ou sair do castelo em segredo, para fugir ou para entregar alguma mensagem. Mas o que mais gostei mesmo em Sintra, foi a Quinta da Regaleira, chácara no centro da cidade, com um belo palácio, uma lindíssima capela e com muita água correndo nas fontes e dois poços com escadarias ao lado, sendo que em um deles, o Iniciático, de 27 metros de profundidade, e com uma rosa dos ventos no chão, era usado para iniciações maçônicas ou rosacruzes, além de uma infinidade de túneis que ligam várias construções da quinta. Uma ´placa em Sintra me chamou a atenção "Estacionamento de Ligeiros Sujeito a Cobrança", sendo que Ligeiros são os carros pequenos.
Seguindo para o norte, chegamos em Óbidos, cidade medieval tomada dos mouros em 1.148 por D. Afonso Henriques, onde nos deliciamos com a famosa ginjinha, que provavelmente nasceu na Asia Menor, mas graças ao microclima de Óbidos encontrou a melhor qualidade em Portugal, além dos queijos de ovelha e cabra.
No restaurante, quando terminamos o almoço, a garçonete perguntou;- "Posso levantar os pratos", e não víamos a hora de tomarmos a ginja. De Óbidos fomos para Fátima, bonito complexo regilioso no local onde os pastores Lucia, Francisco e Jacinta viram N.S. de Fátima, local de peregrinação de devotos do mundo todo, e próximo do local das aparições, uma placa comemorativa de 100 anos da aparição de N.S. de Fátima em Portugal, e 300 anos de devoção à N.S. Aparecida no Brasil.
E nós vamos subindo para nosso próximo destino, Batalha, cidade fundada por D. João I, juntamente com o mosteiro de Santa Maria da Vitória, em agradecimento ao auxilio divino pela vitória na batalha de Aljubarrota em 1.385. Em Batalha tivemos uma experiência engraçada, pegamos um taxi com um motorista de idade para irmos a um restaurante, e quando a Adriana perguntou se teria taxis na rua mais tarde quando voltaríamos, ele rudemente disse que não, então ela perguntou como poderia fazer, e ele rudemente respondeu que tinha que telefonar. No restaurante depois de comermos um delicioso leitão, a Adriana pediu para a gerente se poderia pedir um taxi, e ela em alguns minutos depois disse que não tinha mais, mas que ficássemos tranquilos que ela iria resolver o problema. Um garçom nos levou ao hotel com o carro da gerente. Lindo mosteiro, e como nosso apartamento ficava em frente, dormimos ouvindo cantos gregorianos de um evento que estava acontecendo naquele dia.
No dia seguinte, deixando a praça de Batalha com seus "chapéus de sol", que são guarda-sóis, partimos para Aveiro, a Veneza portuguesa, uma cidade com 41 km de canais que eram usados como estradas pelos barcos para transporte de mercadorias, e agora só são usados para transporte de turistas. Comemos peixe, o garçom trouxe uma bandeja de peixe crus para nos mostrar, e nos confessou sua alegria de ver brasileiros, ele era carioca e vendeu seu restaurante no Rio de Janeiro por ter sido assaltado 15 vezes e agora morava num lugar seguro. Passeamos de barco moliceiro, andamos pelo canais da cidade, e durante o passeio nossa guia debochava do capitão do barco e ele respondia a mesma altura os impropérios, tudo naturalmente combinado para divertir os turistas, e essa guia chama os canais de "Ria" por se tratar das águas do estuário do rio Vouga.
Agora era chegada a hora de irmos para a cidade do Porto, a cidade onde o centro mais se parece com São Paulo, e em algum lugar vi uma "Lomba redutora de velocidade", nome dado ao quebra-molas em Portugal.
No apartamento do Porto constatei que em Portugal todas as tomadas do banheiro, que é chamado de "Casa de Banho", ficam do lado de fora, então você imagina estar tomando banho e alguém de brincadeira ou sem querer apagar a luz, realmente não consegui entender esta lógica.
Na rua vi uma placa que dizia: "Pedir Uber só com Aplicação", e no Brasil usamos o termo "aplicativo". Numa praça resolvemos tomar um café, num barzinho com mesas também do lado de fora, de duas proprietárias de meia idade, gordinhas aparentando um casal. Quando a Mariana perguntou se elas só tinham café expresso, uma logo respondeu:- você entra aqui e não sabes o que queres?, quando minha filha explicou que queria um café preto e grande, então ela serviu. Nesse momento entra no bar um senhor aparentemente amigo delas, e vendo a mesa úmida, pediu um pano para seca-la. Uma delas pegou o pano e foi na mesa e secou-a, em seguida servindo uma xicara de leite para o senhor, e quando foi indagado se queria um pouco de café no leite, como ele negou então ela disse:-foda-se!
Andamos no funicular para descer à beira do rio Douro e andamos no teleférico para subir da cota baixa para a cota alta da Vila Nova de Gaia, visitamos as lojas que vendem vinho do Porto, e assistimos um show de musicas tradicionais ao ar livre. Visitamos a livraria Lelo, frequentada por J.K.Rowling escritora dos livros Harry Potter, onde ela disse ter se inspirado, que para entrar paga-se 5 euros que é dado como voucher, portanto para não perder esse dinheiro tive que gastar mais 3 euros e comprar um livro de Fernando Pessoa.
No porto a Adriana nos reservou uma surpresa, logo de manhã, depois do café, que em Portugal chamam de "Pequeno Almoço", uma van veio nos buscar para um passeio, iriamos primeiro na cidade de Peso-da-régua e depois na cidade de Pinho, ambas muito importantes no escoamento de vinho que se destina à cidade do Porto. Vimos os vinhedos na montanha, de uma beleza impressionante, se existe outras reencarnações, e eu acredito nisso, com certeza um dia vivi ali, tudo me era muito familiar e só de olhar as ruas das videiras me senti cansado.
Subimos o Douro no barco, o mesmo que antigamente era usado para o transporte das barricas de vinho, e depois fomos visitar a vinícola D'origem em Casal de Loivos, e vimos o museu com o equipamento de produção de uva e azeite, perguntei ao proprietário se ainda alguém pisava as uvas com os pés, e ele disse que sim, e afirmou que há quem diga que o vinho fique mais saboroso. Andando pelas estradas, nosso guia, Miguel, mostrou uma van e disse que aquela "carrinha" era da sua "equipa " também. Comentei que no Brasil chamávamos de Van, não de "carrinha", e "equipa" chamávamos de equipe. Então como vimos um caminhão ele perguntou se no Brasil também chamávamos de "Camião'. Falei que sim, e só posteriormente quando via um acidente noticiado na televisão, o locutor dizia que o transito estava condicionado pois um "camião" despistou-se em Condeixa-a-Nova, percebi que eles omitem as letras "nh". Miguel já esteve no Brasil, e adorou nossas comidas, disse que não entende porque em Portugal tem açai e não tem tapioca. Fomos na cidade de Sabrosa, onde tivemos um maravilhoso almoço com peixe regado a vinho embaixo de uma nogueira gigante, e depois degustamos vinho do Porto de 10, 20 e 30 anos. Quem quisesse o de 100 anos teria que pagar a parte, não tive esse capricho.
De volta ao Porto, na televisão vi uma noticia sobre a previdência social de Portugal, onde os usuários são chamados de "Utentes". Portugal é um país preparado para o turismo, em todas as casas e apartamentos que ficamos, os proprietários tinham mapas da região para nos mostrar e todos tinham extintor de incêndio, estojo de primeiros socorros e abafa chamas, percebi que era um padrão e que todos tinham recebido orientações para atender turistas.
Da cidade do Porto fomos para Coimbra, cidade famosa pela Universidade de Coimbra, uma das mais antigas do mundo, fundada no ano de 1.290, cuja escadaria tem 125 degraus, eu contei e confirmei no google. Fomos também numa Associação Cultural chamada "Fado Hilário", que defende om patrimônio musical de Coimbra, tendo sido Augusto Hilário da Costa Alves o primeiro fadista português, e uma coisa que me chamou atenção é que até hoje o fado de Coimbra só é cantado por homens, com trajes acadêmicos, calças e batina pretas e também uma capa de lã preta.
Agora nosso destino me deixou tenso, emocionado, iriamos conhecer a aldeias do meu pai e da minha mãe. A aldeia do meu pai chamada Maxieira tem algumas casas boas mas para pedir informação é difícil encontrar alguém na rua. Perguntei para um senhor onde era a casa de minha tia Maria de Jesus, e para justificar minha pergunta falei que era sobrinho dela, filho de Manoel Hilário. O pobre do homem ficou emocionado, disse que era do ano do meu pai, e mesmo no Brasil eles trocavam correspondência. Já na aldeia de minha mãe, a Pracana Fundeira, com pouquíssimas casas em praticamente duas ruas, sendo que em uma das ruas as casas de pedra todas em ruina, da uma certa tristeza. Mas finalmente realizei esse desejo antigo de conhecer as aldeias do meu pai e da minha mãe, o que também agradou muito minhas filhas e minha esposa que sendo baiana, tem raízes portuguesas. Fomos almoçar em Proença-a-Nova, onde comemos uma deliciosa costela de porco defumada e próximo do restaurante reparei numa placa que dizia "Gabinete de Beleza" e naturalmente é o que chamamos de Salão de Beleza"
Voltamos para Lisboa, estava chegando a triste hora de irmos embora, então fomos jantar no Laurentina, o rei do bacalhau, aliás em Portugal, economizamos muito não ficando em hotéis, usando casas ou apartamentos, e investimos em alimentação, saboreando bacalhau, leitão, morcela, alheira, bolinho de bacalhau e bolinho de alheira, além do deliciosos pães com queijos de cabra, ovelha e misto, além do presunto cru português e naturalmente pastéis de Belém com ginjinha.
E quando embarcamos num voo da Tap e nos despedimos da comilança, a aeromoça perguntou se eu queria frango ou bacalhau, escolhi bacalhau apesar de saber que comida de avião ser mais um alimento do que uma iguaria, me surpreendi, e saboreei um delicioso bacalhau em iscas, com pedacinhos de batata, espinafre e creme de leite, fechamos a viagem com chave de ouro.
Foi uma viagem maravilhosa, e termino esta crônica lembrando as palavras do Fellipe, amigo da Adriana, "Existe uma vida mais barata, mas não presta!"