terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Cu ao Luar

O vestibulando estava muito feliz, as questões de matemática,  historia,  geografia,  trigonometria e as demais estavam muito fáceis,  valeu a pena ter passado noites em claro estudando,  e para o final deixou a redação,  assunto do qual dominava,  era seu forte.
Mas ao ler o tema da redação ficou perplexo:  "Cu ao Luar",  que tema mais grotesco!,  apesar da palavra "cu" constar no dicionario da língua portuguesa e significar simplesmente o que a palavra designa: "cu",  com sinônimo de anus,  e note bem,  é uma palavra sem acento,  só usa acento quem escreve errado e imagina um imenso acento do seu u.
Cu é o ganha pão do proctologista,  o sentido mais sensível das bichas,  e diversão das virgens afoitas.  Todo munda usa o cu,  quem nunca bebeu ate o cu fazer bico?,  quem não teve tanto medo que ficou com o cu na mão?,  quem não foi tão longe onde é o cu do Judas?,  quem não teve tanta sorte que nasceu com o cu para a lua?,  quem nunca livrou-se da responsabilidade e tirou o cu da seringa?,  e quem nunca mandou alguém tomar no cu?
É antiga a piada onde os órgãos do corpo discutiam cada um sua importância, quando o cu inconformado com o desprezo que sofria, travou e mostrou que sem ele nenhum outro órgão poderia funcionar, o que é uma pura verdade.
O vestibulando esperava um tema mais atual como ecologia,  espiritualidade, reciclagem,  e de repente se vê com um tema até constrangedor para desenvolver,  como poderia ler a redação para sua mãe?
Se o tema fosse "cu ao sol" bastaria imaginar a coisa acontecendo numa praia de nudismo,  assunto moderno,  mas quem ficaria com o cu ao luar?
Desenvolveu o tema como pode,  entregou a prova e foi para casa com um nó na garganta,   No fim do dia viu na televisão os comentários que o tema da redação era inspirador,  e seu criador deveria estar apaixonado,  imaginem "Eu ao Luar"
Nesse momento a ficha caiu,  só ai ele percebeu que sua prova tinha saído com um erro de impressão,  a letra "E" tinha saído incompleta e foi interpretada por "C",  mas isto não seria problema,  iria recorrer,  iria até as ultimas instancias!
E sera que só a sua prova tinha este erro?  sera que outras pessoas também iriam recorrer?.   Mesmo recorrendo seria alvo de chacota,  a imprensa adoraria mostrar o infeliz que desenvolveu um tema por engano no vestibular,  logo seria capa de jornais,  no domingo apareceria no Faustão como um gênio que interpretou mal um tema e provavelmente seria convidado para ir para o Big Brother, o Fantástico mostraria que o cu pode ser um show da vida,  e pensando assim e não vendo outra saída alem do cu,  ele disse:  quero que todo mundo vá tomar no cu!,  eu tomei.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Vida de Estrela

Estava em um lugar escuro e úmido,  na verdade bem abafado, quando uma retroescavadeira me levantou,  senti o vento soprando e o sol brilhando em meu corpo,  foi uma experiencia marcante,  é como se fosse um parto igual ao dos humanos.
Fui colocada em um caminhão basculhante que me levou para uma industria,  onde fiquei descansando por um tempo;  depois fui lavada varias vezes e colocada em uma maquina de altíssima temperatura,  que me transformou em estado liquido,  e numa especie de forma fui moldada,  eu que sempre fui amorfa,  agora tinha uma forma,  não sabia exatamente do que,  mas agora tinha uma forma.   Me sentia oca,  vazia,  até que em determinado momento me encheram de um liquido gelado,  foi uma sensação boa,  agora me sentia útil,  feliz,  completa,  aquela sensação de vazio sumiu.
Me colocaram em uma geladeira,  foi um susto! , agora no vidro da geladeira via minha imagem refletida.....uma garrafa de Coca-Cola!.
Eu que era um monte de areia amorfa,  agora era uma garrafa  de Coca-Cola,  acinturada,  nova,  famosa,  e com a inscrição em alto relevo.   Logo alguém me pegou,  abriu minha tampa e colocou o liquido num copo,  em seguida estava novamente vazia e solitária em um engradado plastico.
Dai começou minha maratona,  voltei para a fabrica,  fui lavada e enchida novamente,  e ficava na expectativa,  por que mãos iria passar? quem iria me usar?
Conheci pobres e ricos,  conheci pessoas de bem e bandidos,  ia em festas e as vezes terminava caída em um canto do salão,  as vezes ficava horas nas mãos de uma criança,  as vezes ficava nas mãos de uma prostituta.
Fui vivendo assim,  desejada,  idolatrada,  famosa mundialmente,  até que um dia ouvi alguém dizendo:- vou precisar desta garrafa!.  Fiquei muito feliz,  era bom ouvir alguém dizer que precisava de mim,  e eu estava vazia! , qual seria meu destino?
Fui lavada e enchida de pimenta malagueta e óleo,  e fiquei curtindo meu recheio por uns dias,  depois fui colocada sobre um balcão.  Agora eu não ia mais para a fabrica,  só ficava na lanchonete,  e para não dizer que ficava parada,  ia de mesa em mesa,  toda hora.
Me olhavam com desejo,  ainda era desejada,  colocavam meu óleo no pastel,  na coxinha e na esfiha.
Assim vivi por uns tempos,  até que fui substituída por outra garrafa, e,  não acreditava,  fui para o lixo.  Do lixo fui depositada num aterro sanitário,  poderia ter sido reciclada,  mas me colocaram num aterro junto com material de decomposição rápida,  assim em poucos anos,  la estava eu enterrada na terra,  perdida na profundeza da terra.  Lembrei de um bêbado no bar: veio da terra,  para a terra voltaras,  eu,  uma estrela famosa mundialmente agora perdida na terra.  Mas lembrei das palavras de um velho,  também do bar: a esperança é a ultima que morre.  E quem sabe daqui a centenas de anos,  não serei encontrada e intacta serei colocada em uma vitrine de museu?,  imaginem a inscrição explicativa que poderiam colocar: "Recipiente de refrigerante consumido mundialmente na virada do século vinte, o recipiente é de puro vidro e o refrigerante que nasceu de um xarope farmacêutico também servia para desentupir pias

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O tempo, compositor de destinos

Há cinquenta anos eu ia para o Grupo Escolar Eduardo Prado, com uma mala de couro contendo cadernos, um estojo de madeira e o lanche para o recreio. Lembro do cheiro da mala até hoje.
No caminho, uma judia amiga de minha mãe, que também levava os filhos na escola, comentava a ultima novidade: as malas dos seus filhos tinham alças para prender nas costas (como as mochilas de hoje), o que evitava problemas de postura. Falava também que seus filhos tinham a coleção completa do Monteiro Lobato, que já tinham lido, e que para estudo utilizavam uma enciclopédia, a "Barsa", só rico possuía.
O tempo passou, e nestes dias no supermercado um cliente abandonou no estacionamento uma sacola com a coleção completa da Barsa, com certeza não doou a uma biblioteca porque achou que não valia a pena, e não jogou no caminhão do lixo, porque talvez tenha a minha idade e sabe o valor que esta coleção já teve. O tempo é um vilão! o que foi uma riqueza, a internet transformou em descarte.
Meu tio de 99 anos com sua bagagem de vida, um dia disse que o tempo "cura" tudo, ou seja, nos faz aceitar e se conformar, e Caetano Veloso em sua musica "Oração ao Tempo", onde repete a palavra "tempo" oitenta vezes, diz que o tempo é o "compositor de destinos" e "tambor de todos os ritmos".
O tempo é um vilão, mas quando lembro que graças a este vilão é que existe a evolução tecnológica, e quando lembro que nossos antepassados até bem recentes não podiam tratar os dentes quando se estragavam ou quebravam, e não dispunham de óculos para corrigir a visão, penso: que se dane a Barsa e viva a internet.